E no começo éramos todos uma “criaturinha pulsional” (movidos por instintos).

 Até chegar a um indivíduo adulto, racional e psicologicamente “autônomo”, existe uma grande e árdua caminhada para o ser humano.

Quando falo em autonomia psicológica, falo em ser predominantemente autossuficiente nas provisões de segurança psicológica e reconhecimento (segurança, se aceitar, se amar, se valorizar), não precisando se submeter ou se impor diante do outro para conseguir isso.

E é justamente nessa caminhada, ou seja, no desenvolvimento da personalidade, que algumas características e comportamentos não harmonizados podem se manifestar, e se instalar, acompanhando o indivíduo durante sua vida.

É lógico que é necessário lembrar que, o ser humano não é só resultado da influência do meio em que vive e sim também das suas estruturas e tendências inatas, as quais definem pré-disposições a certos tipos de comportamentos e perfis psicológicos.

Mas essas pré-disposições encontrarão maior ou menor êxito, justamente em função do desenrolar da infância e adolescência de cada indivíduo.

O desenvolvimento sadio da personalidade humana deveria acontecer durante a estruturação das fases pré-genitais, período de latência e fase genital (adolescência).

Um desenrolar inadequado dessas fases de constituição da personalidade poderá produzir desarmonias, tanto no desenvolvimento da sexualidade do indivíduo, bem como no relacionamento psicossocial, podendo gerar patologias e desajustes comportamentais.

Características muito comuns de se encontrar são os sentimentos de carência (necessidade de receber segurança ou reconhecimento), que tem como ponto de partida, a falta ou o excesso de cuidados e atenção por parte dos pais (ou de quem cria e cuida) ao longo de cada fase do desenvolvimento da personalidade.

Se a conduta necessária por parte dos pais não for observada e ajustada, a criança carregará uma dificuldade para as outras fases.

Cada fase da formação da personalidade já tem em si os seus próprios desafios. Quando a criança carrega dificuldades de fases anteriores, se faz necessário um acompanhamento ainda mais próximo pelos pais.

Para se entender um pouco mais, temos abaixo uma pequena noção sobre cada fase:

  • Fases pré-genitais

A – Fase oral (0 aos 2 anos):  A criança é puro instinto e a estruturação da personalidade se dá através do contato/aconchego físico da mãe, no ato de amamentar, no carinho ao limpar, no banho, etc. As percepções sinestésicas (tato, olfato, paladar) são aprimoradas agregando modelos de segurança psicológica.

Caso haja provisão inadequada de segurança emocional (falta ou excesso) a criança poderá se tornar carente ou uma “adicta” em buscar segurança através de abraço, beijo, toque. Maus tratos e abandono podem potencializar ainda mais essa característica.

B – Fase anal (2 aos 4 anos): A criança busca a segurança psicológica pela posse, dominação, do ter, do reter, bem como pela manifestação da agressividade, como defesa primitiva. Cuidados adequados por parte dos pais quanto a atenção e orientação com a higiene após defecar é essencial para que aconteça a educação dos esfíncteres anal e uretral (controle sobre a vontade fazer cocô e xixi).

Caso haja trauma ligado ao ato de defecar (maus tratos, desleixos) a criança pode não superar emocionalmente a fase anal podendo manifestar na personalidade características como mesquinhez, egoísmo, ciúmes exacerbados e posse, levando esses comportamentos para a fase adulta.

C – Fase fálica (4 aos 6 anos): Agora a busca da criança é por provisões de reconhecimento (ser amado, valorizado, aceito). Ela vai se esforçar muito para conseguir a atenção dos pais. Nessa fase ocorre uma maior excitação dos órgãos sexuais.

Caso a fase oral e anal não tenham sido bem organizadas (falta, excesso ou trauma), a criança trará para a fase fálica uma necessidade maior de receber provisões emocionais, afetando assim o desenrolar da fase fálica, de forma a buscar mais reconhecimento e atenção.

2 – Período de latência (6 aos 11 anos): A criança sublima as pulsões sexuais através das brincadeiras com outras crianças, acontecendo assim o adormecimento da sexualidade infantil. É essencial que a criança obtenha prazer através de atividades e experiências lúdicas.

3 – Fase genital (adolescência) (11 aos 20 anos): O indivíduo enfrenta muita insegurança, devido a forte transformação pela qual começa a passar, tanto psicológica e social, quanto biológica e hormonal. É a fase em que o indivíduo está preparado para fazer a escolha de objeto total (uma pessoa) e só se encerra quando alcançar uma realização afetiva e sexual.

Ao chegar na fase adulta o indivíduo tem uma personalidade resultante de todas as fases que passou e, de como ele enfrentou e superou cada uma.

Agudamente todos podem sentir carência ou necessidade de reconhecimento, mas se esses sentimentos estiverem cronicamente presentes na vida do adulto, significa que pelo menos alguma fase não foi bem sucedida.

Comportamentos que vão desde um apego, ciúmes e até mesmo possessividade podem compor a personalidade, causando sofrimento a si mesmo e impondo sofrimento a quem é eleito como fonte de provisões psicológicas.

Se você chegou na fase adulta ainda precisando cronicamente de provisões externas, não se desespere. Talvez você até precise de uma ajuda profissional, um olhar mais clínico, mas é totalmente possível rever, elaborar e superar as experiências da vida que colaboraram para o desenvolvimento do sentimento de carência em relação a segurança ou reconhecimento.

É um trabalho de mudança de olhar sobre si mesmo, sobre as experiências vividas, mas principalmente sobre os sentimentos anexados em cada experiência.

Agora, se você chegou a fase adulta com relativa “autonomia psicológica”, parabéns!!

É sinal que sua caminhada lhe permitiu aprender a caminhar sozinho (não solitário), a se equilibrar em si mesmo. Além de ser libertador, já que o equilíbrio emocional traz independência, é também muito prazeroso já que agora é possível apoiar e ajudar o outro na sua caminhada, afinal só podemos dar aquilo que já temos em nós.

Por Silvio Oliveira

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