Se você presenciou ou experimentou algum tipo de violência quando era criança ou seus pais, amigos, professores ou cuidadores o negligenciaram emocionalmente ou fisicamente, é provável que ainda mostre sinais desse trauma quando adulto, mesmo que inconscientemente, pois crescer em um ambiente traumatizante deixa profundas cicatrizes emocionais, que vão moldar suas atitudes e comportamentos e a causa pode estar bem longe da consciência, atrás da cortina da interface do inconsciente.

Quando crianças damos muito sentido aos eventos que testemunhamos e às coisas que nos acontecem e criamos um esquema interno de como o mundo é para nós. Essa criação de significado nos ajuda a lidar com o mundo e a se relacionar com os outros à nossa maneira, ancorada em nossas vivências. Mas se não criarmos um novo esquema interno à medida que crescemos, a maneira antiga de interpretar o mundo pode prejudicar nossa capacidade de funcionar como adultos. Embora existam muitos e muitos efeitos posteriores de trauma emocional oriundos da época da infância e adolescência, podemos listar alguns modos pelos quais o trauma emocional na infância e adolescência nos afeta como adultos.

  1. A criação da Persona:

É possível identificar através dos métodos psicanalíticos nas sessões de análise que muitos pacientes carregam até a idade adulta muitas feridas emocionais da infância. E em muitos dos casos, essas feridas ficam ocultas, dando sinais psicossomáticos, ou seja, distonias emocionais, (taquicardia, insônia, expressões de raiva, síndrome do pânico, depressão, etc), expressas de maneiras diferentes caso à caso. Uma das maneiras dessas feridas se ocultarem é através da criação de uma “persona” para se distanciar emocionalmente dos problemas do passado. Quando ocultamos nossos sentimentos e emoções, ocultamos quem realmente somos.

“Através da persona o homem quer parecer isto ou aquilo, ou então se esconde atrás de uma “máscara”, ou até mesmo constrói uma persona definida, a modo de muralha protetora.” C.G.JUNG

Quando criança, queremos que nossos pais nos amem e cuidem de nós e estejam sempre à disposição para nós. Mas quando nossos pais não fazem isso segundo nosso critério pessoal, que logicamente inclui muita subjetividade, (pois o grau de amor e cuidado que cada um espera, difere muito de indivíduo para indivíduo), tentamos nos moldar em um tipo diferente de indivíduo que achamos que gostaremos e que nos fará bem. Mas ao embarcar nesse empreendimento, enterramos sentimentos que podem nos impedir de satisfazer nossas necessidades. Criamos assim, uma “persona”, ou seja, criamos um indivíduo que iremos apresentar ao mundo como sendo o eu.

Mas toda vez que enterramos nossas emoções, perdemos o contato com quem realmente somos, nosso eu-real, (nosso Self), isso porque nossos sentimentos são parte integrante de nós. Vivemos aterrorizados porque, se deixarmos a máscara da persona cair, inconscientemente falando, repetiremos o passado e não seremos mais cuidados, amados ou aceitos. E como o Ego já percorreu este desagradável caminho uma ou mais vezes no passado, cria-se um mecanismo de defesa para evitar a recorrência ao menor sinal de risco de repetição deste caminho, segundo nossos critérios inconscientes.

A melhor maneira de descobrir o autêntico Self que está encoberto por debaixo da máscara da persona é conversando com um terapeuta especializado que pode ajudá-lo a se reconectar com seus sentimentos e expressar suas emoções de uma maneira que faça você se sentir seguro e íntegro e assim ajuda-lo a voltar a reconectar-se com o seu eu interior.

  1. Vitimizando-se:

O que pensamos e acreditamos sobre nós mesmos dirige nossos processos mentais internos. A maneira como conversamos conosco pode nos capacitar ou nos sabotar. O diálogo interno negativo e extremamente crítico te desaprova e te faz sentir como se não tivesse controle sobre sua vida – como vítima da vida. Você pode ter sido vítima quando criança, mas não precisa permanecer vítima quando adulto.

Mesmo em situações ou circunstâncias em que você acha que não tem escolha alguma, sempre terá uma escolha, mesmo que seja apenas o poder de escolher como pensar sobre sua vida. Temos pouco ou nenhum controle sobre nosso ambiente e nossas vidas quando somos crianças, mas não somos mais crianças e é bem provável que você seja mais capaz de mudar sua real situação, muito mais do que realmente acredita. Em vez de pensar em si mesmo como vítima, pode pensar em si mesmo como corajoso sobrevivente. Da próxima vez que se sentir preso e sem escolhas, lembre-se de que é mais capaz do que imagina ser e está no controle muito mais do que pensa.

  1. O comportamento passivo-agressivo:

Quando as crianças crescem em famílias onde há apenas expressões de raiva, elas podem crescer acreditando que a raiva é aceitável. Se você testemunhou a raiva expressa violentamente, então, como adulto, você pode pensar que a raiva é uma emoção violenta e, portanto, deve ser suprimida. Ou, em outro aspecto, se você cresceu em uma família que suprimiu a raiva e seus pais lhe ensinaram que a raiva está em uma lista de emoções que você não deveria sentir nunca, você a suprime também.

Mas o que acontece se você não pode expressar a sua raiva? Se você é alguém que reprime seus sentimentos de tristeza, provavelmente já sabe a resposta: absolutamente nada. Acredite, você ainda sente raiva, afinal a expressão emocional através da raiva é uma emoção natural que todos experimentamos, mas em vez da resolução que vem com o reconhecimento da raiva e a resolução do que a desencadeou, você simplesmente fica enraivecido. Você não expressa seus sentimentos diretamente, mas, como não consegue suprimir a raiva, expressa seus sentimentos através do comportamento agressivo-passivo. Em outras palavras você pode identificar melhor os gatilhos desse comportamento se você:

                – Mesmo aceitando pedidos de desculpas conscientemente, deixa ativo internamente o sentimento de ira. Continuamente;

                – Elabora vinganças mentais, algum tempo depois do ocorrido que te deixou irritado;

                – Fica emburrado, mas não quer mais falar ou fica evitando o assunto;

                – Fica de mau-humor, contribuindo para um clima pesado e tenso, com o objetivo de disfarçar a raiva;

                – Se opõe, teima, faz birra e desfaz combinados como uma espécie de retaliação;

                – Insulta, ridiculariza e faz brincadeiras em tom irônico ou usa de piadas sarcásticas para “alfinetar” os outros;

                – Fica tão ressentido que fica com dificuldade até para manter o contato visual quando a raiva quer aflorar;

Por causa do trauma emocional da infância, o indivíduo pode ter aprendido a esconder partes de si mesmo. Na época, isso pode ter ajudado, mas como adulto, se segura quando não sente seus sentimentos, acaba sendo passivo e não atinge seu potencial real e assim acaba se abandonando, protegido pela “persona”. Mas alguma coisa diz que algo não está certo e uma das expressões disso é quando o indivíduo diz a si mesmo: “Eu sei que preciso fazer isso ou aquilo, mas não faço ou não consigo”, ou “é mais forte do que eu” e isso parece perseguir as pessoas como uma sombra.

“Sombra é para mim a parte “negativa” da personalidade, isto é, a soma das propriedades ocultas e desfavoráveis, das funções mal desenvolvidas e dos conteúdos do inconsciente pessoal.” C. G. JUNG

Por Gláucio Parazzi

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